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Textos de Viagem. Casablanca, Eid al-Adha 1443 AH
publicado na BUALA a 22 de Setembro de 2022
Uma viagem, sobre outra viagem, sobre outra viagem, três viagens, um caminho aberto.
Seriam nove ou dez, os dias em que Ahmad esteve morto? Foi tudo muito rápido e intenso, entre o marché Medina que os taxistas insistem em chamar marché Sénégal, e a rotunda da Boulevard Tantan.
Já morri, eu! Dizia Ahmad na esquina do cruzamento perto da bomba da Shell onde, na mesma manhã, lavei o carro. Horas antes, na espera, sentei-me tranquilamente a beber um café, a saborear a rara solidão e a cultura dos cafés marroquina, na esquina oposta àquela onde agora aquele tresloucado me diz que já morreu e já nada importa. Conduz como um louco, os olhos esbugalhados, e adivinho-lhe uma frequência recorrente aos paraísos artificiais. Para ele, agora, os minutos somados à vida no mundo terreno é tudo cadeau.
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Dias Rotos
da série “o meu confinamento é melhor qu’ó teu! / o meu confinamento não é pior qu’ó teu!” que não é série nenhuma
22 de Abril de 2020
da série “o meu confinamento é melhor qu’ó teu! / o meu confinamento não é pior qu’ó teu!” que não é série nenhuma
22 de Abril de 2020
Anteontem trabalhei até às 4 da manhã, para acabar uma cena que tinha de partilhar para outra coisa poder avançar. Não se fazem transcrições, traduções ou textos com caos sonoro e movimentos repetitivos. Também nada disso se faz com interrupções constantes. É uma merda não ter a capacidade de trabalhar com barulho, adoro o silêncio da noite e a solidão. É quando oiço melhor o que vai cá dentro. Durante o dia, pai é uma palavra que por estes tempos parece que passou a ser uma interjeição, pai pa pá pá pá pá.
Às nove da manhã estou a pé de novo, é hora da mais velha comer e preparar-se para a aula síncrona, o novo modelo em que a professora tenta passar meia dúzia de ideias em 45 min, embaraçadas pelo som do interior das casas de cada um dos 25 meninos e meninas, que se esquecem de desligar o microfone. Nenhum som é claro, o choro de um irmão ou irmã mistura-se com a voz de um pai ou uma mãe a tentar encontrar a mãozinha virtual para levantar. “ó p’sôra isto não está a dar”, “ó p’sôra não vejo mão” “ó p’sôra eu tenho a mãozinha”, enquanto as outras crianças tentam em vão o sistema antigo, acenar insistentemente face ao ecrã à espera de poder falar. ... Ler mais
Um parágrafo no confinamento com crianças
publicado no Blog “Confinaria: Etnografias em Tempo de Pandemia”
14 de Abril de 2020
publicado no Blog “Confinaria: Etnografias em Tempo de Pandemia”
14 de Abril de 2020
A minha filha mais velha, nove anos, leu recentemente “O Principezinho”,
um pequeno tesouro que continua a passar de mão em mão. O livro foi
oferecido por uma colega da mãe, que gentilmente lhe escreveu uma
dedicatória, no seu último aniversário, já este ano, mas antes do
COVID-19. A leitura completa precisou de alguma motivação “extra”, dada
por um pai chato e de um período de corte de privilégios televisivos.
Leu por não saber já o que fazer em relação à resposta negativa à
pergunta: “Pai, já posso ver televisão?”. “Não, enquanto te mantiveres
nesse automatismo de querer acabar tudo depressa, comer a correr, fazer
os trabalhos sem prestar atenção, apenas para te ires embrutecer inativa
à frente de um ecrã, não. Tu não estás proibida de ver televisão, nós
vamos é mudar esse automatismo, acabar com ele, depois podes ver
televisão”, disse-lhe o pai muito convencido do que estava a dizer .... Ler mais
A quarentena é ou não solução?
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11 de Abril de 2020
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11 de Abril de 2020
Não é uma cena cartesiana, mas eu duvido de tudo o que leio, a começar pelo que escrevo.
Correm por aí, talvez devido à duração deste isolamento social, em que murchamos todos, clamores para ouvirmos vozes que nos dizem que a quarentena não é a solução. A quarentena, solução medieval, pode ser boa para uma dezena de nobres florentinos se juntarem e imaginarem historietas mas não é boa para nós, que estamos a ficar todos estúpidos, débeis e com carência em vitamina D. Na nossa estupidez induzida pelas deambulações entre quatro paredes, e copos de vinho às sete da tarde, estamos cada vez mais abertos a ouvir aquilo que melhor se encaixa na nossa ânsia de sair disto. O que quero eu dizer com isto? Nada, apenas que observo a forma como cada pessoa continua a praticar-se a si mesma, isto é, continua a pôr em prática os mesmos tipos de vícios de pensamento que já tinha, agora aplicado à pandemia e ao pandemónio. ... Ler Mais
Sem Título
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18 de Março de 2020
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18 de Março de 2020
Sinto um certo mal-estar por não trabalhar, por não aproveitar o tempo para avançar nos mil e um projetos que criei à minha volta. Quarentena não são férias, dizem uns. E licença de paternidade o que é em tempo de estado de emergência? Hoje, tudo compele à paragem. Ser pai de uma recém nascida no meio de uma pandemia que nos remete a casa não rima com trabalho. Ser pai de duas meninas que não vão à escola não rima com trabalho. Nada rima com trabalho nestes dias. Mas há aqueles que trabalham, aqueles que precisamos que trabalhem. Que momento para se nascer penso eu. No meio do medo e do pânico. Os otimistas procuram todas as razões para serem positivos. Os deslumbrados vêem oportunidades. Os céticos preocupam-se. Eu vou lendo reações nas redes sociais sem grande capacidade de reagir, atordoado. Prefiro a ironia e o sarcasmo, o humor negro e a informação, odeio o moralismo e a sobranceria, o chico-espertismo e o achismo. Estamos em modo de gestão do medo. Não sabemos onde isto pára. Se há algo que esta quarentena trouxe consigo é a dificuldade de fazer projetos, a dificuldade de pensar o futuro para além do momento presente. ... Ler Mais